segunda-feira, 7 de agosto de 2023

PARAHYBA: ONDE A PARAÍBA NASCEU

"Ponta do Cabo Branco, opus IV". 
Bruno Steinbach Silva. Acrílica/tela, 144 x 270 cm, 2012. João Pessoa, Paraíba, Brasil. Acervo: SESC PARAÍBA (Centro de Turismo e Lazer do Sesc Paraíba, av. Cabo Branco, João Pessoa, Paraíba, Brasil).

João Pessoa, capital do Estado da Paraíba. Minha cidade, onde o sol ainda brilha primeiro! É aqui que se localiza o ponto mais oriental das Américas a Ponta do Seixas, belíssima praia vizinha da falésia chamada pelos nativos de Barreira do Cabo Branco - sofrendo há alguns anos um violento processo de erosão agravado pelo descaso dos gestores, cada um com uma "solução" pior do que o outro, gastando fortunas para deixar este ponto  de referência mundial cada vez mais desfigurado e com a parte superior praticamente intransitável pelo risco de desabamentos. Já não se pode namorar e caminhar pela praia com a maré baixa até a vizinha praia Ponta do Seixas - como na pintura acima - pois no local da praia só há pedras colocadas para evitar a erosão da falésia, mais uma tentativa fadada ao fracasso, uma "meia sola", como se fala por aqui. Dá uma tristeza enorme assistir a decadência de um dos nossos principais patrimônios naturais, principalmente para quem conviveu na infância como eu naquele local. E sabemos que há tecnologia e empresas capazes de resolverem definitivamente o problema, como as que construíram Ilhas artificiais em Dubai - que podem inclusive restaurar o formato original da Barreira do Cabo Branco, sem causar danos ao ecossistema marinho nem prejudicar as praias vizinhas.
Do velho Cabo Branco só nos resta as imagens da memória, das fotografias e das pinturas dos que por ali perambularam e amaram.


A FUNDAÇÃO
Cidade histórica fundada em 05 de agosto de 1585 (há controvérsias), com a criação do Forte do Varadouro às margens do Rio Sanhauá, João Pessoa se encontra entre os mangues que margeiam este afluente do rio Paraíba e o mar. Seu centro histórico é marcado pela acentuada integração com o meio ambiente, em local de privilegiados atributos naturais: relevo suave, clima tropical e vegetação exuberante - onde se revela a alternância entre manguezais e coqueirais, com florestas de mata atlântica.

A cidade possui aproximadamente 1 milhão de habitantes. Possui muitos atrativos turísticos, como as praias, parques urbanos, construções históricas, museus, galerias de arte... Celeiro de artistas e dona de um rico artesanato, é uma cidade verde, que está entre as mais arborizadas do mundo. Já foi domínio de indios potiguares, colonizadores franceses, holandeses e portugueses no passado, tendo sido chamada de Nossa Senhora das Neves, Filipéia, Frederikstadt e Parahyba. 
Em 1930 mudaram o nome da cidade para o atual - história que gera muitas polêmicas.

DORMIU PARAHYBA... 
ACORDOU JOÃO PESSOA 

"Parahyba e Sanhauá, opus I". Bruno Steinbach Silva.  
Óleo/tela, 100 x 120 cm, 2005. Parahyba, Paraíba, BR. 
Coleção: Des. Maria de Fátima Moraes Bezerra Cavalcanti Maranhão. Paraíba, Brasil.

A capital da Paraíba passou a se chamar João Pessoa em homenagem ao político paraibano João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, por meio de decisão da Assembleia Legislativa da Paraíba (ALPB), em 1930, em apressada sessão noturna no Teatro Santa Roza, quando também "inventaram" a atual Bandeira do Estado da Paraíba.

Pessoa concorria como vice na chapa de Getúlio Vargas à Presidência da República, mas foi assassinado em Recife, por motivos passionais, pelo adversário político João Dantas, em 26 de julho de 1930, o que causou comoção popular e resultou na homenagem.
Com a morte de João Pessoa, os aliados da Aliança Liberal derrubaram Washington Luís e colocaram Getúlio Vargas na presidência. 

A história oficial conta que João Dantas era opositor político de João Pessoa e foi perseguido durante a gestão do presidente da Paraíba. Pessoa mandou a polícia invadir o escritório de Dantas, onde teriam sido encontradas cartas de amor escritas pela poetisa Anayde Beiriz.

João Pessoa decidiu expor as cartas na delegacia e anunciou no jornal. Em retaliação, João Dantas teria matado Pessoa na Confeitaria Glória, em Recife.

O crime não teve caráter político, mas foi por “lavagem de honra”. Os aliados do presidente da Paraíba teriam decidido criar um mito para tomar o poder e perseguir violentamente os seus adversários.

O crime colaborou para a eclosão da Revolução de 1930, na verdade um golpe, que já vinha sendo planejado pelo gaúcho Getúlio Vargas - com o apoio de Minas Gerais - que não aceitara a quebra do acordo da "política do café com leite" pelo então Presidente Washington Luiz, que resolvera indicar o governador Júlio Prestes, outro paulista, para sucedê-lo na Presidência do Brasil. A Paraíba aderiu à insurreição, em apoio ao Rio grande do Sul e a Minas Gerais, que não aceitaram o resultado das eleições. O movimento armado culminou em um golpe de Estado que depôs o presidente da República Washington Luís e impediu a posse do presidente eleito Júlio Prestes, pondo fim à República Velha.

João Pessoa era ex-presidente da Paraíba, denominação para “ex-governador” na época, e a homenagem passou a ser questionada por grupos que acreditam que ela não seria legítima. O tema vem sendo abordado de forma intermitente desde quando a cidade foi batizada com o nome do paraibano há 93 anos. O próprio escritor Ariano Suassuna se negava a pronunciar o nome e só se referia a capital paraibana como Parahyba.

A discussão não é nova e ganhou força com a criação do movimento “Paraíba, Capital Parahyba”, que pede há 15 anos a mudança do nome da capital.
O movimento é formado por historiadores, geógrafos, artistas, jornalistas, estudantes e educadores. “João Pessoa não foi esse herói que os livros contam não. E não teve revolução, foi um golpe que começou a ditadura no Brasil”, afirmara um dos fundadores do movimento. 

Quem foi João Pessoa para a Paraíba?

Hoje, o nome da cidade homenageia o político João Pessoa, que foi assassinado em 1930 e governou a província por menos de dois anos. Foi ministro do Supremo Tribunal Militar e por articulação do tio, o ex-presidente Epitácio Pessoa, assumiu a província. Na verdade, o principal desejo da gestão de Pessoa era arrecadar e, para isso, ele criou dois impostos sobre mercadorias transportadas no território da província. Seria o início do pedágio no Brasil.

Mudança de Parahyba para João Pessoa

A mudança de nome da capital, que antes era chamada de Parahyba, aconteceu quase três meses após a morte do político. O assassinato e a comoção popular pressionaram os deputados estaduais, que aprovaram um projeto de lei autorizando a mudança no dia 4 de setembro. A bandeira da cidade também foi trocada e ganhou os tons vermelho e preto, junto ao “Nego”.

Um pouco de história: 

O DESENVOLVIMENTO


A cidade se desenvolveu a partir de dois núcleos principais: o Varadouro e a Cidade Alta, ligados pela Ladeira de São Francisco. 

O Varadouro 

"Porto do Capim com Canoa e Pescadores". Bruno Steinbach Silva, Infogravura / papel couchê, 42 x 29,7 cm, 2009. Paraíba, Brasil.

O Porto do Capim foi criado em águas fluviais para escoar a produção local, principalmente o açúcar de exportação. Ao seu redor, estabeleceu-se a importante região comercial do Varadouro, onde foram construídos armazéns e a alfândega. A partir de meados do século XIX chegaram as primeiras ferrovias e a antiga Estação Ferroviária foi instalada no local. No início do século XX, a ferrovia se expandiu em sentido norte até o porto da cidade de Cabedelo, desativando assim o Porto do Capim e interferindo na integração entre o rio e a cidade, o que causou o abandono da região.

Um  porto inseguro 

Embora secularmente a culta mente tente, é impossível ocultar da Luz a face dessa pobre gente; um dia seu nobre silêncio, gritante ao sol poente, certamente despertará bravamente a nossa civilização dormente.
(Bruno Steinbach Silva)

"Parahybavista (Sanhauá, Porto do Capim e Varadouro), opus I". Bruno Steinbach Silva. Painel em acrílica/tela, 120 x 194 cm. Parahyba, dezembro de 2013. Acervo: Tribunal de Justiça da Paraíba. João Pessoa, Paraíba, Brasil.

Na pintura acima, em primeiro plano, vê-se os casebres do "Porto do Capim", às margens do rio Sanhauá. Por trás, alguns depósitos de um comércio decadente e o casario antigo do varadouro. No alto, a igreja de São Frei Pedro Gonçalves. Mais à direita, ao fundo, a cidade alta e a Igreja de São Francisco. O nosso centro histórico, que apesar das várias tentativas de revitalização continua ao abandono, sem segurança e sem o antigo e efervescente comércio.

A Cidade Alta

"Basílica de Nossa Senhora das Neves". 
Bruno Steinbach Silva. 
Óleo/tela, 50x70 cm, 2006, 
João Pessoa, Paraíba, Brasil.

Cidade Alta se formou ao redor da igreja matriz e lá se instalaram as primeiras residências da elite. Nesta área estão situados vários monumentos importantes, como o Museu de Arte Sacra da Paraíba, localizado no Conjunto da Ordem Terceira de São Francisco; o Teatro Santa Roza, o terceiro mais antigo do Brasil, todo revestido internamente de madeira Pinho de Riga; e a Biblioteca Pública Estadual, exemplar do ecletismo do final do século XIX. No século XX, o comércio de padrão médio e alto migrou para a Cidade Alta, causando a valorização dos terrenos. 




O TOMBAMENTO

"Parahyba, opus I" (cat 547).
Bruno Steinbach Silva.
Acrílica/tela, 60 x 100 cm, 2016.
Coleção: Maria de Lourdes Bonavides Mariz Maia.
Patrocínio Parahybavista.

O tombamento do centro histórico foi motivado por seus valores históricos - por ser uma das primeiras cidades fundadas no Brasil, depois de Rio de Janeiro e Salvador; paisagístico - as edificações compõem um cenário que integra a vegetação de mangue ao rio e ao mar - e artístico, por congregar construções de diferentes estilos e épocas. O centro histórico de João Pessoa foi inscrito nos seguintes Livros do Tombo: Histórico e Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico. A área abrange um sítio de 370 mil m2, compreendendo boa parte dos bairros do Varadouro (Cidade Baixa) e da Cidade Alta. Ao todo 502 edificações serão preservadas, em 25 ruas e seis praças, bem como o antigo Porto do Capim, local de fundação da cidade. Na área demarcada, o traçado urbano ainda se mantém original. Esses imóveis representam e fazem parte dos 422 anos de história da terceira cidade mais antiga do país, e são prédios representativos dos vários períodos da história de João Pessoa: o barroco da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco; o rococó da Igreja de Nossa Senhora do Carmo; o estilo maneirista da Igreja da Misericórdia; a arquitetura colonial e eclética do casario civil; e o art-nouveau e o art-déco, das décadas de 20 e 30, predominantes na Praça Anthenor Navarro e no Hotel Globo.

"Pátio de São Pedro, II". 
Bruno Steinbach. Infogravura, 20,04 x 42 cm, 2007. Parahyba, Brasil.

"Vista da Igreja de São Frei Pedro Bento Gonçalves (Crepúsculo)".
Bruno Steinbach Silva: Infogravura/papel couchê, 29,7 x 42 cm, 2007. Paraíba, Brasil.

"Balaustrada das Trincheiras". 
Bruno Steinbach Silva. Infogravura / papel couchê, 29,7 x 42 cm, 2008. Paraíba, Brasil.


Ponto mais oriental das américas, a cidade é também notável pelo clima tropical, por ser a maior em economia (indústrias, comércio e serviços) e arrecadação de impostos para o estado, pelas suas praias e pelos vários monumentos de arquitetura e arte barroca.

Durante a ECO-92, a conferência da ONU sobre o meio ambiente, João Pessoa recebeu o título de segunda cidade mais verde do mundo (segundo um cálculo baseado na relação entre número de habitantes e a área verde, a cidade perderia apenas para Paris).



A Estação Cabo Branco Ciência, Cultura & Artes. Um projeto de Oscar Niemeyer, localizada no Cabo Branco, adjacente ao ponto mais oriental das Américas: a "Ponta do Seixas". 





NORDESTINO SIM SINHÔ! 



Tenho orgulho de ser paraibano, nordestino e brasileiro! Cabra macho, sim "sinhô"!

De tanto ouvir e ler comentários levianos sobre o nordeste e os nordestinos resolvi publicar este artigo (reproduzido abaixo, extraído de texto de Demétrio Magnoli (Os grifos são meus), com a esperançosa intenção ou ilusão de jogar um pouco de luz na escuridão em que habitam alguns brasileiros racistas, intolerantes, preconceituosos e arrogantes, e, talvez, fazê-los parar – ou ao menos diminuir – a enxurrada de tolices e maldades que despejam sobre nós, “os nordestinos” (um dado interessante é que são "homens" a maioria dos que fazem esse tipo de comentário, ao contrário de suas mulheres, que nos adoram, saudosas... Quem sabe não estaria aí o verdadeiro e sigiloso motivo de tanta raiva... Pois é sabido a contribuição histórica nordestina na "povoação" do Brasil, "semeando" muito por todo o território nacional e preenchendo assim a deficiência desses inconformados maricões...). Uma sugestão para esses indivíduos: Estudem um pouco de História e Geografia do Brasil, a "básica" mesmo serve, essa que se ensina no curso secundário, para não "forçar" muito seus poucos neurônios. Aprendam com nordestinos de valor, como Epitácio Pessoa ( paraibano, ex-presidente do Brasil), Assis Chateaubriand, conhecido como o co-criador e fundador, em 1947, do Museu de Arte de São Paulo (MASP- Museu de Arte de São Paulo Assis Chateuabriand - quem diria, fundado e equipado por um "paraíba" - junto com o italiano Pietro Maria Bardi, e ainda como o responsável pela chegada da televisão ao Brasil, inaugurando em 1950 a primeira emissora de TV do país, a TV Tupi (o que a ingrata midia "nacional" retribui com descaso e omissão à grandeza de sua terra), o escritor José Lins do Rêgo (paraibano, autor do romance Menino de Engenho), o também paraibano Pedro Américo (o maior pintor brasileiro de todos os tempos), os cearenses José de Alencar e Rachel de Queiroz (Autora de destaque na ficção social nordestina. Foi a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras. Em 1993, foi a primeira mulher galardeada com o Prêmio Camões, equivalente ao Nobel, na língua portuguesa. É considerada por muitos como a maior escritora brasileira), o natalense Câmara Cascudo ,os pernambucanos João Cabral de Mello Neto, Manuel Bandeira e Gilberto Freyre, o alagoano Graciliano Ramos, os baianos Jorge Amado e Dorival Caymmi... E tantos e tantos outros nomes de escol, Zé Ramalho, Caetano veloso, Gilberto Gil, Fagner, Luiz Gonzaga... E, pasmem(!), o próprio Presidente da República, Sr. Luiz Inácio Lula da Silva! A lista é interminável...Quem sabe, assim, parem de expressar tanta idiotice que na verdade só depõe contra eles mesmos, ao exporem a própria ignorância e atraso espiritual. Afinal, PRECONCEITO é uma forma de autoritarismo social de uma sociedade doente. Normalmente o preconceito é causado pela ignorância, isto é, o não conhecimento do outro que é diferente. O preconceito leva à discriminação, à marginalização e à violência.
Mas vamos ao texto de Magnoli:

Regionalismo e preconceito contra o nordestino

Por Demétrio Magnoli
(Do livro: Identidade Nacional em debate, vários autores, Ed. Moderna, pág. 119-125)


1 – O Regionalismo nordestino

O Regionalismo nordestino nasceu e evoluiu como reação à decadência do Nordeste. Do ponto de vista histórico, surgiu no início do século XX, junto com o deslanche da industrialização no sudeste. Do ponto de vista social, configurou-se como atitude política das elites regionais, que jamais se difundiu profundamente entre a população. Do ponto de vista estratégico, caracterizou-se por reivindicar ajuda federal à região, sob a forma de obras públicas ou proteção para empresas e produtos. O seu argumento central sempre foi a pobreza regional, geralmente associada ao fenômeno climático das secas...

O discurso regionalista e as respostas federais pariram o principal mito sobre a pobreza do Nordeste: o mito das secas.

As secas, do ponto de vista meteorológico, não são um mito. O mito consiste na noção de que esse fenômeno natural seja o responsável pelo drama social da população. A artimanha do Regionalismo elitista consistia em esconder as causas sociais da miséria pelo recurso a uma condição climática. ... Dessa forma, as elites econômicas e políticas do nordeste encontraram um álibi para fugir à própria responsabilidade histórica pela pobreza e, ao mesmo tempo, uma argumentação para o desvio de recursos federais para a realização de obras públicas regionais. Evidentemente, os benefícios trazidos por essas obras jamais chegaram à maioria da população nordestina, tornando-se fonte de enriquecimento privado das minorias privilegiadas...

Das "obras contra as secas" aos incentivos fiscais: mais de meio século de políticas regionais revelou-se incapaz de transformar o panorama de pobreza do Nordeste. Mas o discurso regionalista das elites continua em funcionamento, operando sempre o velho argumento do "bolsão de pobreza". Essa noção – de que o Nordeste é um "outro país", a Índia confrontada com a Bélgica, o lado esquecido do Brasil – camufla o abismo social que separa as elites nordestinas da população regional. A palavra Nordeste, uma noção espacial que se pode desenhar sobre o mapa, serve como esconderijo para as elites regionais, que se apresentam como representantes dos miseráveis e dos excluídos. 


2 – A Bósnia não é aqui

O Regionalismo nordestino desenvolveu-se sobre o paradoxo de ser um discurso elitista cujo argumento central sempre foi a pobreza. Esse paradoxo contribuiu para o surgimento e a difusão de um outro discurso: o do preconceito antinordestino.

O preconceito antinordestino existe desde os tempos antigos, como expressão do racismo. A participação majoritária dos negros e mulatos na população do Nordeste, que contrasta com a hegemonia dos brancos no Sudeste e, em proporção maior, no Sul, reflete a história da escravidão e da imigração européia no Brasil. Aí se encontram os fundamentos do preconceito tradicional antinordestino....Porém, o preconceito antinordestino atualizou-se aproveitando o próprio Regionalismo das elites do Nordeste. No Sudeste, difusamente, desenvolveram-se atitudes preconceituosas contra os migrantes provenientes dos estados nordestinos. A atitude preconceituosa enxergou nos fluxos de nordestinos o espectro da invasão da pobreza, em vez de enxergar o papel desempenhado pela mão-de-obra migrante no crescimento econômico do Sudeste. Desde a década de 1970, diversas prefeituras do interior paulista passaram a recolher, nas estações rodoviárias, os migrantes recém-chegados, colocando-os em ônibus e despejando-os em cidades vizinhas. Em 1990, chegou a tramitar na Câmara Municipal de São Paulo um projeto de lei destinado a impedir o uso de serviços e equipamentos municipais por migrantes com menos de dois anos de trabalho e residência comprovados na cidade. (Observação: este projeto teve como autor o ainda vereador municipal Bruno Feder, atualmente do PPS, partido do ex-prefeito Paulo Maluf).

No Sul do país, na última década, o preconceito antinordestino assumiu a forma virulenta do separatismo. Os movimentos separatistas sulistas, em geral baseados no Rio Grande Do Sul, chegaram a formular a reivindicação da Independência: República dos Pampas....

O preconceito antinordestino enxerga no migrante o pobre. O separatismo sulista encara o nordestino como diferente. Os separatistas postulam a existência de diferentes grupos étnicos ou culturais no Brasil... A população do Sul, segundo essa visão, teria origens enraizadas na imigração branca e européia, distinguindo-se dessa forma da população do restante do país. Falsamente, apregoa-se a existência de diferenças étnicas no interior da população brasileira. A armadilha vai mais longe, associando nível de vida e origem populacional: o imigrante europeu aparece como a fonte do trabalho e da riqueza, o nordestino como a fonte da preguiça e da pobreza. 

O preconceito antinordestino e o separatismo sulista constituem formas de mascarar a pobreza e a miséria, que estão em todas as regiões. Os contrastes sociais intensos, presentes nas metrópoles do Sudeste, são apresentados como fruto das migrações inter-regionais, não como reflexo das estruturas socioeconômicas perversas características de todo o país. A pobreza sulista – que transparece no fluxo migratório de gaúchos, paranaenses e catarinenses rumo à Amazônia, e também nas favelas e periferias miseráveis das cidades grandes e médias da região – é obscurecida por um discurso que nega o óbvio: a "Índia", está em todos os lugares, e até no Nordeste existem algumas "Bélgicas".....

A Bósnia não é aqui. Lá, uma história muito antiga produziu divisões étnicas, culturais e religiosas que cindiram a população bem antes da formação do Estado iugoslavo. Aqui, uma história muito mais recente misturou populações de origem diversa em um único conjunto nacional. No Brasil, as diferenças regionais (e estaduais, e locais... ) não são diferenças étnicas, mas apenas expressões dos ambientes diversos nos quais se processou a história da nossa sociedade. Nordestinos, sulistas, paulistas, cariocas: essas denominações refletem realidades geográficas, não identidades étnicas. Talvez, por isso, o separatismo sulista não tenha, até hoje, conseguido atear fogo na imaginação popular. 
 
Ainda bem.

Bruno Steinbach. "Cabo Branco, Opus I". 
Infogravura / papel couchê, 29,7 x 42 cm, 2009. Paraíba, Brasil.



domingo, 31 de agosto de 2008

PARAHYBA: ONDE A PARAÍBA NASCEU...

João Pessoa, capital do Estado da Paraíba. Minha cidade, onde o sol ainda brilha primeiro!

"Ponta do Cabo Branco, opus IV". 
Bruno Steinbach Silva. Acrílica/tela, 144 x 270 cm, 2012. João Pessoa, Paraíba, Brasil. Acervo: SESC PARAÍBA (Centro de Turismo e Lazer do Sesc Paraíba, av. Cabo Branco, João Pessoa, Paraíba, Brasil).

Um Porto Inseguro

Embora secularmente a culta mente tente, é impossível ocultar da Luz a face dessa pobre gente; um dia seu nobre silêncio, gritante ao sol poente, certamente despertará bravamente a nossa civilização dormente.
(Bruno Steinbach Silva)

"Parahybavista (Sanhauá, Porto do Capim e Varadouro), opus I". Bruno Steinbach Silva. Painel em acrílica/tela, 120 x 194 cm. Parahyba, dezembro de 2013. 
Acervo: Tribunal de Justiça da Paraíba. João Pessoa, Paraíba, Brasil.
Em primeiro plano, os casebres do porto do capim. Depois, o casario antigo do varadouro. No alto, a igreja de São Frei Pedro Gonçalves. Mais à direita, ao fundo, a cidade alta e a Igreja de São Francisco.


A FUNDAÇÃO
Cidade histórica fundada em 05 de agosto de 1585 (há controvérsias), com a criação do Forte do Varadouro às margens do Rio Sanhauá, João Pessoa se encontra entre os mangues que margeiam este afluente do rio Paraíba e o mar. Seu centro histórico é marcado pela acentuada integração com o meio ambiente, em local de privilegiados atributos naturais: relevo suave, clima tropical e vegetação exuberante - onde se revela a alternância entre manguezais e coqueirais, com florestas de mata atlântica. João Pessoa possui aproximadamente 1 milhão de habitantes. Possui muitos atrativos turísticos, como as praias, parques urbanos, construções históricas, museus, galerias de arte... Celeiro de artistas e dona de um rico artesanato, é uma cidade verde, que está entre as mais arborizadas do mundo. Já foi domínio de indios potiguares e colonizadores franceses, holandeses e portugueses no passado, tendo sido chamada de Nossa Senhora das Neves, Filipéia, Frederikstadt e Parahyba. 
Em 1930 mudaram o nome da cidade para o atual - história que gera muitas polêmicas.

"Parahyba e Sanhauá, opus I". 
Bruno Steinbach Silva.  
Óleo/tela, 100 x 120 cm, 2005
Coleção: Des. Maria de Fátima Moraes Bezerra Cavalcanti Maranhão. 
Paraíba, Brasil.


DORMIU PARAHYBA 
ACORDOU JOÃO PESSOA 

A capital da Paraíba passou a se chamar João Pessoa em homenagem ao político paraibano João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, por meio de decisão da Assembleia Legislativa da Paraíba (ALPB), em 1930, em apressada sessão noturna no Teatro Santa Roza, quando também "inventaram" a atual Bandeira do Estado da Paraíba.

Pessoa concorria como vice na chapa de Getúlio Vargas à Presidência da República, mas foi assassinado em Recife, por motivos passionais, pelo adversário político João Dantas, em 26 de julho de 1930, o que causou comoção popular e resultou na homenagem.
Com a morte de João Pessoa, os aliados da Aliança Liberal derrubaram Washington Luís e colocaram Getúlio Vargas na presidência. 

A história oficial conta que João Dantas era opositor político de João Pessoa e foi perseguido durante a gestão do presidente da Paraíba. Pessoa mandou a polícia invadir o escritório de Dantas, onde teriam sido encontradas cartas de amor escritas pela poetisa Anayde Beiriz.

João Pessoa decidiu expor as cartas na delegacia e anunciou no jornal. Em retaliação, João Dantas teria matado Pessoa na Confeitaria Glória, em Recife.

O crime não teve caráter político, mas foi por “lavagem de honra”. Os aliados do presidente da Paraíba teriam decidido criar um mito para tomar o poder e perseguir violentamente os seus adversários.

O crime colaborou para a eclosão da Revolução de 1930, na verdade um golpe, que já vinha sendo planejado pelo gaúcho Getúlio Vargas - com o apoio de Minas Gerais - que não aceitara a quebra do acordo da "política do café com leite" pelo então Presidente Washington Luiz, que resolvera indicar o governador Júlio Prestes, outro paulista, para sucedê-lo na Presidência do Brasil. A Paraíba aderiu à insurreição, em apoio ao Rio grande do Sul e a Minas Gerais, que não aceitaram o resultado das eleições. O movimento armado culminou em um golpe de Estado que depôs o presidente da República Washington Luís e impediu a posse do presidente eleito Júlio Prestes, pondo fim à República Velha.

João Pessoa era ex-presidente da Paraíba, denominação para “ex-governador” na época, e a homenagem passou a ser questionada por grupos que acreditam que ela não seria legítima. O tema vem sendo abordado de forma intermitente desde quando a cidade foi batizada com o nome do paraibano há 93 anos. O próprio escritor Ariano Suassuna se negava a pronunciar o nome e só se referia a capital paraibana como Parahyba.

A discussão não é nova e ganhou força com a criação do movimento “Paraíba, Capital Parahyba”, que pede há 15 anos a mudança do nome da capital.
O movimento é formado por historiadores, geógrafos, artistas, jornalistas, estudantes e educadores. “João Pessoa não foi esse herói que os livros contam não. E não teve revolução, foi um golpe que começou a ditadura no Brasil”, afirmara um dos fundadores do movimento. 

Quem foi João Pessoa para a Paraíba?

Hoje, o nome da cidade homenageia o político João Pessoa, que foi assassinado em 1930 e governou a província por menos de dois anos. Foi ministro do Supremo Tribunal Militar e por articulação do tio, o ex-presidente Epitácio Pessoa, assumiu a província. Na verdade, o principal desejo da gestão de Pessoa era arrecadar e, para isso, ele criou dois impostos sobre mercadorias transportadas no território da província. Seria o início do pedágio no Brasil.

Mudança de Parahyba para João Pessoa

A mudança de nome da capital, que antes era chamada de Parahyba, aconteceu quase três meses após a morte do político. O assassinato e a comoção popular pressionaram os deputados estaduais, que aprovaram um projeto de lei autorizando a mudança no dia 4 de setembro. A bandeira da cidade também foi trocada e ganhou os tons vermelho e preto, junto ao “Nego”.

Um pouco de história: 

O DESENVOLVIMENTO


A cidade se desenvolveu a partir de dois núcleos principais: o Varadouro e a Cidade Alta, ligados pela Ladeira de São Francisco. O Porto do Capim foi criado em águas fluviais para escoar a produção local, principalmente o açúcar de exportação. Ao seu redor, estabeleceu-se a importante região comercial do Varadouro, onde foram construídos armazéns e a alfândega. A partir de meados do século XIX chegaram as primeiras ferrovias e a antiga Estação Ferroviária foi instalada no local. No início do século XX, a ferrovia se expandiu em sentido norte até o porto da cidade de Cabedelo, desativando assim o Porto do Capim e interferindo na integração entre o rio e a cidade, o que causou o abandono da região.
"Porto do Capim com Canoa e Pescadores". Bruno Steinbach Silva, Infogravura / papel couchê, 42 x 29,7 cm, 2009. Paraíba, Brasil.


A Cidade Alta se formou ao redor da igreja matriz e lá se instalaram as primeiras residências da elite. Nesta área estão situados vários monumentos importantes, como o Museu de Arte Sacra da Paraíba, localizado no Conjunto da Ordem Terceira de São Francisco; o Teatro Santa Roza, o terceiro mais antigo do Brasil, todo revestido internamente de madeira Pinho de Riga; e a Biblioteca Pública Estadual, exemplar do ecletismo do final do século XIX. No século XX, o comércio de padrão médio e alto migrou para a Cidade Alta, causando a valorização dos terrenos. 

"Basílica de Nossa Senhora das Neves". 
Bruno Steinbach Silva. 
Óleo/tela, 50x70 cm, 2006, 
João Pessoa, Paraíba, Brasil.


O TOMBAMENTO
"Parahyba, opus I" (cat 547).
Bruno Steinbach Silva.
Acrílica/tela, 60 x 100 cm, 2016.
Coleção: Maria de Lourdes Bonavides Mariz Maia.
Patrocínio Parahybavista.

O tombamento do centro histórico foi motivado por seus valores históricos - por ser uma das primeiras cidades fundadas no Brasil, depois de Rio de Janeiro e Salvador; paisagístico - as edificações compõem um cenário que integra a vegetação de mangue ao rio e ao mar - e artístico, por congregar construções de diferentes estilos e épocas. O centro histórico de João Pessoa foi inscrito nos seguintes Livros do Tombo: Histórico e Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico. A área abrange um sítio de 370 mil m2, compreendendo boa parte dos bairros do Varadouro (Cidade Baixa) e da Cidade Alta. Ao todo 502 edificações serão preservadas, em 25 ruas e seis praças, bem como o antigo Porto do Capim, local de fundação da cidade. Na área demarcada, o traçado urbano ainda se mantém original. Esses imóveis representam e fazem parte dos 422 anos de história da terceira cidade mais antiga do país, e são prédios representativos dos vários períodos da história de João Pessoa: o barroco da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco; o rococó da Igreja de Nossa Senhora do Carmo; o estilo maneirista da Igreja da Misericórdia; a arquitetura colonial e eclética do casario civil; e o art-nouveau e o art-déco, das décadas de 20 e 30, predominantes na Praça Anthenor Navarro e no Hotel Globo.

"Pátio de São Pedro, II". 
Bruno Steinbach. Infogravura, 20,04 x 42 cm, 2007. Parahyba, Brasil.

"Vista da Igreja de São Frei Pedro Bento Gonçalves (Crepúsculo)".
Bruno Steinbach Silva: Infogravura/papel couchê, 29,7 x 42 cm, 2007. Paraíba, Brasil.

"Balaustrada das Trincheiras". 
Bruno Steinbach Silva. Infogravura / papel couchê, 29,7 x 42 cm, 2008. Paraíba, Brasil.


Ponto mais oriental das américas, a cidade é também notável pelo clima tropical, por ser a maior em economia (indústrias, comércio e serviços) e arrecadação de impostos para o estado, pelas suas praias e pelos vários monumentos de arquitetura e arte barroca.

Durante a ECO-92, a conferência da ONU sobre o meio ambiente, João Pessoa recebeu o título de segunda cidade mais verde do mundo (segundo um cálculo baseado na relação entre número de habitantes e a área verde, a cidade perderia apenas para Paris).



A Estação Cabo Branco Ciência, Cultura & Artes. Um projeto de Oscar Niemeyer, localizada no Cabo Branco, adjacente ao ponto mais oriental das Américas: a "Ponta do Seixas". 





NORDESTINO SIM SINHÔ! 



Tenho orgulho de ser paraibano, nordestino e brasileiro! Cabra macho, sim "sinhô"!

De tanto ouvir e ler comentários levianos sobre o nordeste e os nordestinos resolvi publicar este artigo (reproduzido abaixo, extraído de texto de Demétrio Magnoli (Os grifos são meus), com a esperançosa intenção ou ilusão de jogar um pouco de luz na escuridão em que habitam alguns brasileiros racistas, intolerantes, preconceituosos e arrogantes, e, talvez, fazê-los parar – ou ao menos diminuir – a enxurrada de tolices e maldades que despejam sobre nós, “os nordestinos” (um dado interessante é que são "homens" a maioria dos que fazem esse tipo de comentário, ao contrário de suas mulheres, que nos adoram, saudosas... Quem sabe não estaria aí o verdadeiro e sigiloso motivo de tanta raiva... Pois é sabido a contribuição histórica nordestina na "povoação" do Brasil, "semeando" muito por todo o território nacional e preenchendo assim a deficiência desses inconformados maricões...). Uma sugestão para esses indivíduos: Estudem um pouco de História e Geografia do Brasil, a "básica" mesmo serve, essa que se ensina no curso secundário, para não "forçar" muito seus poucos neurônios. Aprendam com nordestinos de valor, como Epitácio Pessoa ( paraibano, ex-presidente do Brasil), Assis Chateaubriand, conhecido como o co-criador e fundador, em 1947, do Museu de Arte de São Paulo (MASP- Museu de Arte de São Paulo Assis Chateuabriand - quem diria, fundado e equipado por um "paraíba" - junto com o italiano Pietro Maria Bardi, e ainda como o responsável pela chegada da televisão ao Brasil, inaugurando em 1950 a primeira emissora de TV do país, a TV Tupi (o que a ingrata midia "nacional" retribui com descaso e omissão à grandeza de sua terra), o escritor José Lins do Rêgo (paraibano, autor do romance Menino de Engenho), o também paraibano Pedro Américo (o maior pintor brasileiro de todos os tempos), os cearenses José de Alencar e Rachel de Queiroz (Autora de destaque na ficção social nordestina. Foi a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras. Em 1993, foi a primeira mulher galardeada com o Prêmio Camões, equivalente ao Nobel, na língua portuguesa. É considerada por muitos como a maior escritora brasileira), o natalense Câmara Cascudo ,os pernambucanos João Cabral de Mello Neto, Manuel Bandeira e Gilberto Freyre, o alagoano Graciliano Ramos, os baianos Jorge Amado e Dorival Caymmi... E tantos e tantos outros nomes de escol, Zé Ramalho, Caetano veloso, Gilberto Gil, Fagner, Luiz Gonzaga... E, pasmem(!), o próprio Presidente da República, Sr. Luiz Inácio Lula da Silva! A lista é interminável...Quem sabe, assim, parem de expressar tanta idiotice que na verdade só depõe contra eles mesmos, ao exporem a própria ignorância e atraso espiritual. Afinal, PRECONCEITO é uma forma de autoritarismo social de uma sociedade doente. Normalmente o preconceito é causado pela ignorância, isto é, o não conhecimento do outro que é diferente. O preconceito leva à discriminação, à marginalização e à violência.
Mas vamos ao texto de Magnoli:

Regionalismo e preconceito contra o nordestino

Por Demétrio Magnoli
(Do livro: Identidade Nacional em debate, vários autores, Ed. Moderna, pág. 119-125)


1 – O Regionalismo nordestino

O Regionalismo nordestino nasceu e evoluiu como reação à decadência do Nordeste. Do ponto de vista histórico, surgiu no início do século XX, junto com o deslanche da industrialização no sudeste. Do ponto de vista social, configurou-se como atitude política das elites regionais, que jamais se difundiu profundamente entre a população. Do ponto de vista estratégico, caracterizou-se por reivindicar ajuda federal à região, sob a forma de obras públicas ou proteção para empresas e produtos. O seu argumento central sempre foi a pobreza regional, geralmente associada ao fenômeno climático das secas...

O discurso regionalista e as respostas federais pariram o principal mito sobre a pobreza do Nordeste: o mito das secas.

As secas, do ponto de vista meteorológico, não são um mito. O mito consiste na noção de que esse fenômeno natural seja o responsável pelo drama social da população. A artimanha do Regionalismo elitista consistia em esconder as causas sociais da miséria pelo recurso a uma condição climática. ... Dessa forma, as elites econômicas e políticas do nordeste encontraram um álibi para fugir à própria responsabilidade histórica pela pobreza e, ao mesmo tempo, uma argumentação para o desvio de recursos federais para a realização de obras públicas regionais. Evidentemente, os benefícios trazidos por essas obras jamais chegaram à maioria da população nordestina, tornando-se fonte de enriquecimento privado das minorias privilegiadas...

Das "obras contra as secas" aos incentivos fiscais: mais de meio século de políticas regionais revelou-se incapaz de transformar o panorama de pobreza do Nordeste. Mas o discurso regionalista das elites continua em funcionamento, operando sempre o velho argumento do "bolsão de pobreza". Essa noção – de que o Nordeste é um "outro país", a Índia confrontada com a Bélgica, o lado esquecido do Brasil – camufla o abismo social que separa as elites nordestinas da população regional. A palavra Nordeste, uma noção espacial que se pode desenhar sobre o mapa, serve como esconderijo para as elites regionais, que se apresentam como representantes dos miseráveis e dos excluídos. 


2 – A Bósnia não é aqui

O Regionalismo nordestino desenvolveu-se sobre o paradoxo de ser um discurso elitista cujo argumento central sempre foi a pobreza. Esse paradoxo contribuiu para o surgimento e a difusão de um outro discurso: o do preconceito antinordestino.

O preconceito antinordestino existe desde os tempos antigos, como expressão do racismo. A participação majoritária dos negros e mulatos na população do Nordeste, que contrasta com a hegemonia dos brancos no Sudeste e, em proporção maior, no Sul, reflete a história da escravidão e da imigração européia no Brasil. Aí se encontram os fundamentos do preconceito tradicional antinordestino....Porém, o preconceito antinordestino atualizou-se aproveitando o próprio Regionalismo das elites do Nordeste. No Sudeste, difusamente, desenvolveram-se atitudes preconceituosas contra os migrantes provenientes dos estados nordestinos. A atitude preconceituosa enxergou nos fluxos de nordestinos o espectro da invasão da pobreza, em vez de enxergar o papel desempenhado pela mão-de-obra migrante no crescimento econômico do Sudeste. Desde a década de 1970, diversas prefeituras do interior paulista passaram a recolher, nas estações rodoviárias, os migrantes recém-chegados, colocando-os em ônibus e despejando-os em cidades vizinhas. Em 1990, chegou a tramitar na Câmara Municipal de São Paulo um projeto de lei destinado a impedir o uso de serviços e equipamentos municipais por migrantes com menos de dois anos de trabalho e residência comprovados na cidade. (Observação: este projeto teve como autor o ainda vereador municipal Bruno Feder, atualmente do PPS, partido do ex-prefeito Paulo Maluf).

No Sul do país, na última década, o preconceito antinordestino assumiu a forma virulenta do separatismo. Os movimentos separatistas sulistas, em geral baseados no Rio Grande Do Sul, chegaram a formular a reivindicação da Independência: República dos Pampas....

O preconceito antinordestino enxerga no migrante o pobre. O separatismo sulista encara o nordestino como diferente. Os separatistas postulam a existência de diferentes grupos étnicos ou culturais no Brasil... A população do Sul, segundo essa visão, teria origens enraizadas na imigração branca e européia, distinguindo-se dessa forma da população do restante do país. Falsamente, apregoa-se a existência de diferenças étnicas no interior da população brasileira. A armadilha vai mais longe, associando nível de vida e origem populacional: o imigrante europeu aparece como a fonte do trabalho e da riqueza, o nordestino como a fonte da preguiça e da pobreza. 

O preconceito antinordestino e o separatismo sulista constituem formas de mascarar a pobreza e a miséria, que estão em todas as regiões. Os contrastes sociais intensos, presentes nas metrópoles do Sudeste, são apresentados como fruto das migrações inter-regionais, não como reflexo das estruturas socioeconômicas perversas características de todo o país. A pobreza sulista – que transparece no fluxo migratório de gaúchos, paranaenses e catarinenses rumo à Amazônia, e também nas favelas e periferias miseráveis das cidades grandes e médias da região – é obscurecida por um discurso que nega o óbvio: a "Índia", está em todos os lugares, e até no Nordeste existem algumas "Bélgicas".....

A Bósnia não é aqui. Lá, uma história muito antiga produziu divisões étnicas, culturais e religiosas que cindiram a população bem antes da formação do Estado iugoslavo. Aqui, uma história muito mais recente misturou populações de origem diversa em um único conjunto nacional. No Brasil, as diferenças regionais (e estaduais, e locais... ) não são diferenças étnicas, mas apenas expressões dos ambientes diversos nos quais se processou a história da nossa sociedade. Nordestinos, sulistas, paulistas, cariocas: essas denominações refletem realidades geográficas, não identidades étnicas. Talvez, por isso, o separatismo sulista não tenha, até hoje, conseguido atear fogo na imaginação popular. 
 
Ainda bem.

Bruno Steinbach. "Cabo Branco, Opus I". 
Infogravura / papel couchê, 29,7 x 42 cm, 2009. Paraíba, Brasil.




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